Nesta mesma data, seis anos atrás, o excelente articulista Janer Cristaldo tocava o dedo na ferida sobre o discurso feminista. Neste caso, uma idosa, feminista e egípcia. Antes de mais nada deixemos claro aqui que não somos contrários a luta pela emancipação da mulher que, aliás, é uma luta da emancipação do indivíduo contra o autoritarismo, mas tem que se diferenciar do oportunismo político travestido de "feminismo" que usa disto para atacar justamente o sistema econômico e civilização que mais libertou as mulheres (assim como os homens), mas ignora solenemente tipos de sociedade onde o totalitarismo e a mais pura opressão campeiam.
Boa leitura,
V.D.
FEMINISTA INGÊNUA CRÊ
EM REVOLUÇÃO NO EGITO
Nesta terça-feira, Dia Internacional da Mulher, uma centena de "cidadãos muçulmanos pelos direitos das mulheres" lançou em Paris um manifesto covarde e safado em defesa das ditas. Os cidadãos em questão residem todos na França.
"Nós afirmamos, alto e forte, que nada em nossa crença, nossa prática ou nossa herança islâmica justifica que se discrimine quem quer que seja em razão de seu gênero. Nós condenamos também todas as discriminações, principalmente em relação a emprego e salários, das quais as mulheres são vítimas. Denunciamos todas as formas de violência feita às mulheres, sejam físicas ou morais. Violências que dizem respeito a todos os meios sociais e culturais. Nós consideramos que o igual acesso a todas as formas do saber é uma das primeiras condições de igualdade. Todo questionamento é inaceitável".
O covarde manifesto defende o direito ao divórcio e à contracepção, chega inclusive a condenar a excisão do clitóris e afirma a igual e igual direito de todos os seres humanos, qualquer que seja seu sexo, suas origens, sua religião ou seu modo de vida. "Este é o espírito que nos anima".
Covarde manifesto, escrevi. E por que covarde? Porque se denuncia a opressão das mulheres, não identifica sua causa. Isto é, o islamismo. No mundo ocidental, toda mulher tem os mesmos direitos do homem, tem direito ao divórcio e à contracepção e não é castrada em sua infância. Quanto ao divórcio, os subscritores do documento esqueceram que o divórcio existe nos países muçulmanos. Só para o amo e senhor, é verdade. Sem a burocracia do Ocidente cristão. Nas Arábias, vige a lei dos três talak. Eu te repudio, eu te repudio, eu te repudio e estamos conversados.
Os cidadãos muçulmanos esqueceram de mencionar a sharia, que prescreve o chicoteamento e apedrejamento das adúlteras. Nenhuma palavrinha sobre o véu. Condenar a sharia seria condenar o Islã. E nenhum intelectual muçulmano ousará condenar o Islã. Islamismo rende bons empregos e bons salários no Ocidente.
Coube a uma egípcia de 79 anos, Nawal el Saadawi, a primeira mulher no Egito a denunciar a castração das mulheres, dizer na Europa o que tem de ser dito. Em entrevista ao El País, feita por telefone durante sua estada em Oslo, faz críticas sem peias às leis e à interpretação do Islã que institucionalizaram o patriarcado repressivo e por isso a levaram a perder emprego, à prisão e finalmente ao exílio.
Nestes dias em que a imprensa ocidental saúda a revolução de Tahrir, el Saadawi não tem papas na língua: “A religião é uma ideologia política e temos que separar religião e política. A mulher não pode se libertar sob nenhuma religião, nem cristianismo, nem judaísmo, nem islamismo, porque as mulheres são inferiores em todas as religiões”.
Mas el Saadawi é ingênua. Quando interrogada sobre que significado tem a “revolução de Tahrir” para as mulheres, demonstra desconhecer o mundo em que vive: “Enorme. Pela primeira vez, as mulheres e os homens do Egito foram iguais. Mulheres de todas as idades estiveram na praça Tahrir, inclusive mães com crianças de peito dormiram na praça”.
A feminista se queixa de que as mulheres não foram incluídas no comitê para a reforma da Constituição: “Nomearam oito homens e nenhuma mulher”. Por isso, está sendo organizada hoje, terça-feira, uma marcha de um milhão de mulheres no Cairo”. As marchantes exigem que todos os comitês e instituições do novo Egito contem com mulheres. “Acabou-se isso de ser os homens quem decide.”
Santa ingenuidade! El Saadawi parece não lembrar a revolução da Argélia. Há uns trinta anos, tive oportunidade de conhecer três países islâmicos, Egito, Argélia e Tunísia. A misoginia é flagrante. Raras mulheres nas ruas e quase sempre com véus. Em Argel, estive em época em que os fundamentalistas ainda não haviam mostrado suas garras. Se na casbá o véu era regra, nas proximidades da universidade já se podia ver rostos femininos. Mais tarde os ativistas muçulmanos começaram a jogar ácido no rosto das mulheres sem véu, e suponho que hoje mulher alguma se arrisque a ser desfigurada. É preciso muito ódio ao sexo feminino para deformar um rosto.
Durante a guerra contra os franceses, as mulheres tiveram ocasião de exercer sua independência: eram muito eficazes para carregar bombas. Terminada a guerra, que voltem para a cozinha fazer cuscuz. Aliás, esta situação se repete atualmente. Na hora de explodir-se, as muçulmanas têm os mesmos direitos que os homens. El Saadawi tinha trinta anos quando a França reconheceu, em 62, a independência da Argélia e Ben Bella tornou-se presidente. Foi quando as mulheres voltaram para a cozinha. A Constituição argeliana define hoje o Islã como componente fundamental da identidade do povo argeliano e o país como terra do Islã. Nada indica que a “revolução egípcia” não seguirá os mesmos rumos.
Quanto a um milhão de mulheres, na praça Tahrir, tenho minhas dúvidas. No Cairo, naquelas noites de inverno a sufocantes 30 graus, exatamente na praça Tahrir, vi milhares de homens passeando abraçadinhos, braços no ombro, na cintura, mãozinha com mãozinha, dedinhos entrelaçados. Nem sombra de mulher. Eventualmente, um vulto velado correndo para casa.
Homofilia, diriam os mais gentis. Os cultores de eufemismos que me desculpem: aquilo é homossexualismo. Ora, quem me conhece sabe muito bem que nada tenho contra homossexuais. Mas as mulheres não precisavam ser expulsas dos bares e das ruas, ora bolas.
O Egito continua submisso ao Islã. Duvido que, de trinta anos para cá, algo tenha mudado.