Em matéria para o Nexo Jornal assinada por Denis R. Burgierman,[1] ex-diretor de redação de revistas como Superinteressante e Vida Simples, se discute, equiparando em mesmo pé de igualdade e, de modo bem genérico, Direita e Esquerda. Já sei já sei... Dirão que este é o típico “isentão”, do qual muito se tem falado e criticado ultimamente. Mas acho pior do que isso, o texto em questão não tenta apenas ser neutro, ele confunde e de modo bastante simplista e tenta equiparar filosofias distintas como se as mesmas cometessem os mesmos erros pelas mesmas razões, o Liberalismo e o Socialismo.
O texto basicamente diz que por mais importante que sejam o liberalismo e o socialismo como “paradigmas teóricos fundamentais da história contemporânea” erraram por não abranger a complexidade de nosso mundo e tentar simplificar o comportamento humano tornando totalmente racional, no caso, como limitados a uma visão e ação econômicas. Mais do que isto, o autor afirma que tanto Karl Marx quanto Adam Smith erraram em suas previsões.
Em primeiro lugar, socialismo e liberalismo não são teorias, mas filosofias. Parece uma mera discussão conceitual, mas não é. A filosofia pode ser muito mais complexa que uma mera teoria, mas não tem, necessariamente, compromisso com uma realidade no sentido empírico da mesma ao buscar dados e fatos para se sustentar. O que, diga-se de passagem, não depõe contra uma filosofia, pois muitas teorias derivam de uma visão filosófica ou tem uma base filosófica como premissa. Quando um pensador sugere que o ser humano vive sendo explorado e que superada esta situação ele viverá melhor (note o tempo verbal) não está meramente explicando o que vê sobre algo, mas sugerindo como isto poderá ficar e, em sua opinião, como irá ficar no futuro. O socialismo na visão marxista contém estas características de pensamento. No caso do liberalismo, particularmente Adam Smith havia uma crítica pesada ao chamado mercantilismo, a associação entre capitalistas e poderes do estado, o que leva inevitavelmente a redução do livre mercado. Aí eu pergunto, o que isto tem a ver com liberalismo de fato? Se formos usar teorias que expliquem a realidade, no caso não há livre mercado como poderíamos entender o conceito, talvez no máximo algum grau dele e, na realidade a que Adam Smith se referia, um baixo grau de livre mercado. O que o jornalista do Nexo Jornal faz? Equipara, ou melhor iguala Smith à Marx dizendo quem ambas as previsões falharam. Mas qual previsão fez Adam Smith? O que ele fez foi uma análise do que existia e não do que iria ocorrer ou deveria ocorrer. Marx não só fez isto, como condicionou todo um devir histórico, sequência do que iria ocorrer como consequência lógica de uma situação de exploração, conflito que ele enxergava como motor da história.
Em certo trecho do artigo ele exprime a realidade dizendo que uma sociedade sem classes é o que gostaríamos de ter[2]. Que gostaríamos vírgula! Que você Denis gostaria... Nós do VD gostaríamos de um mundo pujante, empreendedor onde as diferenças sociais e econômicas fossem resultado de interações individuais sem opressão alguma, seja estatal, religiosa ou de classe. O problema não é, nem nunca foi a desigualdade, mas sim a ausência de pobreza é que é importante. E a realidade é que pobreza e miséria absolutas não independem da igualdade. No fundo, sociedades com maior número de pobres são sociedades mais igualitárias, com muito mais indivíduos com igualdade sim, mas igualdade na miséria. Se há desigualdade em sociedades com modo de produção capitalista, isto não depõe contra o capitalismo, mas contra o tipo de sociedade que com suas instituições jurídicas, com seu déficit publico crônico, com suas burocracias gigantescas, com sua corrupção e enorme carga tributária, desequilíbrio na previdência social etc. criam um grande número de pobres. Mas o que se prefere apontar: a propriedade privada que é a essência do capitalismo. Na boa, já não chegou a hora da Esquerda ter um mínimo de lógica quando argumenta? Nós não escrevemos para estas cobaias, nós escrevemos para você que não aceita subjugar seu raciocínio à clichês e palavras cujos conceitos são mal explicados.
Em vários artigos como esse, alguns erros já são evidentes logo de saída. Burgierman diz que liberais não se importam se as privatizações criam monopólios privados e coisas do tipo. Minha sugestão é sempre ler o inimigo, sobretudo quando este inimigo se reveste de certa “leveza” ou “bom-mocismo”, mas alguém que nós teremos que seduzir com lógica e fatos. Uma boa estratégia é indagarmos, colocando dúvidas bem simples como, no caso, "perfeito, então livre mercado é igual ao monopólio?" Trata-se de uma boa prática nos anteciparmos ao que virá, pois os piores golpes não serão dos raivosos, mas justamente daqueles com pele de cordeiro.
VD
[1] BURGIERMAN, Denis R. “Perdidos entre duas utopias”, Nexo Jornal. 24 fev. 17.
[2] “O socialismo está errado porque é uma utopia. Por mais que gostemos da ideia de um mundo sem classes (...).”