A polarização do debate político no Brasil trouxe consigo a desqualificação quase sistemática de valores conservadores — a ponto de hoje ser quase uma ofensa alguém se identificar com alguns elementos dessa corrente ideológica.
De qualquer forma, ainda que se discorde das ideias propostas, não se pode negar que elas trazem à tona debates fundamentais para a sociedade contemporânea — sobretudo sobre o papel do Estado, seja no plano teórico ou mesmo em questões práticas.
Pensando nisso, a Gazeta do Povo lista dez autores para compreender melhor o conservadorismo. Confira:
1. Edmund Burke (1729-1797)
Irlandês de nascimento, mas tendo passado a maior parte da vida em Londres como um membro da Câmara dos Comuns, Edmund Burke teve sua obra profundamente marcada pela oposição à Revolução Francesa. Embora tivesse apoiado a Independência dos Estados Unidos e a liberdade religiosa dos católicos no Reino Unido (após séculos de perseguição por parte dos anglicanos), Burke entendia que a violência revolucionária na França estava destruindo os valores da sociedade civilizada.
A obra de Burke, particularmente suas Reflections on the Revolution in France (Reflexões sobre a Revolução na França), de 1790, é considerada por muitos a fundadora do pensamento conservador moderno, e teria enorme influência nos séculos seguintes.
Inúmeros autores fariam referência aos trabalhos de Burke para criticar os movimentos sedentos por mudanças em seus próprios tempos, e as críticas inicialmente feitas aos revolucionários franceses ganhariam, mais tarde, novos significados, sendo utilizadas para criticar modelos revolucionários socialistas.
Principal obra:Reflexões sobre a Revolução na França (Vide Editorial, R$ 69,90)
Burke é o pai do que o conservadorismo tem de mais elegante. Em uma época em que revolucionários se iludiam com a ideia de eliminar tradições e criar uma sociedade baseada puramente na razão, Burke mostrou que é bom dar algum valor à tradição. Se as pessoas se organizam de um modo, talvez seja por um motivo que ainda não conhecemos: enquanto intelectuais se iludiam com mundos perfeitos e a salvação pela política, Burke disse que a prudência é a melhor virtude de um político. Não vale a pena desperdiçar a ordem que já conquistamos em nome de mudanças bruscas; a busca por um mundo perfeito pode resultar em devastação e terror - como ele previu corretamente sobre a Revolução Francesa” – Leandro Narloch, mestre em Filosofia pela Universidade de Londres e colunista da Gazeta do Povo.
2. G. K. Chesterton (1874-1936)
O britânico Gilbert Keith Chesterton não era exatamente o que poderia ser chamado de conservador — pelo menos, não dentro da definição teórica. De fato, sua crítica era tanto à esquerda quanto à direita, algo que fica claro em um de seus famosos aforismos: “O mundo moderno se dividiu em conservadores e progressistas. O negócio dos progressistas é cometer erros. O trabalho dos conservadores é impedir que os erros sejam corrigidos”.
Católico em um país de maioria protestante, Chesterton teve seu trabalho marcado por uma defesa do cristianismo em um momento que grande parte dos intelectuais defendia um afastamento da religião, pendendo para o ateísmo. Escrevendo em uma época em que as ideias de Nietzsche, Freud e Charles Darwin estavam em alta e questionavam os velhos valores, Chesterton dedicou seus principais romances a ironizar o pensamento moderno. Em The Everlasting Man (O Homem Eterno), de 1925, narra com sarcasmo a história do mundo através da ação de Deus, e afirma “o ateísmo é anormalidade”.
Principal obra:O Homem Eterno (Editora Ecclesiae, R$ 69,90)
Era um inovador, insurgindo-se contra a sociedade materialista que estava se consolidando no Ocidente. Suas reflexões fundamentadas nos princípios cristãos procuraram contestar as filosofias e doutrinas difundidas em sua época. Foi um crítico do materialismo, defensor da propriedade privada, contudo se opunha ao liberalismo econômico, ao ceticismo e o relativismo tão em voga em sua época” - Renato Mocellin, professor de História do Curso Positivo e Mestre em Educação pela UFPR
3. Whittaker Chambers (1901-1961)
A curiosa história de Whittaker Chambers começa como um improvável militante do Partido Comunista dos Estados Unidos e é concluída com ele se tornando um dos primeiros editores da National Review, uma das principais revistas conservadoras do país.
Após trabalhar como espião para a União Soviética, Chambers mudou de lado e se tornou uma voz proeminente no anticomunismo americano. Ganhou fama ao testemunhar contra Alger Hiss, um alto funcionário do Departamento de Estado, a quem acusou de também espionar para os russos — Hiss, que negou qualquer envolvimento, acabaria condenado por perjúrio, mas não por espionagem, pois o crime já havia prescrito no momento do julgamento.
Witness (Testemunha), a principal obra de Chambers, é uma crítica ao comunismo desde dentro, e influenciou uma geração de conservadores no mundo inteiro — em 1984, Ronald Reagan concedeu postumamente a Medalha da Liberdade (a mais alta honraria civil dos EUA) a Chambers, creditando o livro por ter ajudado a mudar sua visão de mundo.
Principal obra:Witness (publicado originalmente em 1952, sem edição brasileira).
O conservadorismo de Whittaker Chambers não pode ser considerado como uma simples opção política. Ela é fruto da própria natureza colonialista presente nas sociedades americanas. Chambers chama atenção, com menor importância na atualidade, muito mais por ser um desertor do movimento comunista (que se espalhava pelo mundo durante as décadas de 1920 e 1930) do que um “conservador” de atitudes conservadoras. Ela era produto do meio em que foi formado, e sua ideologia sofreu mudanças ao longo de sua vida”, Tarsis Prado, historiador e especialista em educação.
4. Ayn Rand (1905-1982)
Nascida na Rússia, Ayn Rand se mudou para os Estados Unidos em 1926, com a intenção de se tornar dramaturga. Acabaria se tornando uma das escritoras preferidas tanto de conservadores quanto de libertários norte-americanos, alcançando sucesso através de seus romances. Seu trabalho firmou as bases de uma filosofia conhecida como “objetivismo”: a ideia de que o propósito moral da vida é ir em busca da própria felicidade, e que o único sistema social capaz de permitir isso seria o capitalista, pela sua ênfase na liberdade individual.
Em Atlas Shrugged (publicado no Brasil como Quem é John Galt? e, mais recentemente, sob o título A Revolta de Atlas), de 1957, Rand descreve um futuro distópico em que o governo dos EUA impõe crescentes regulações que levam ao colapso da indústria e da economia do país. O campeão de seu pensamento, na obra, é o personagem John Galt, que defende a iniciativa individual contra o coletivismo e a mediocridade impostas pela burocracia estatal.
Principal obra:A Revolta de Atlas (Editora Arqueiro, R$ 89,90).
Rand alcançou fama internacional a partir da publicação de suas duas principais obras: "A Nascente" (1943) e "A Revolta de Atlas" (1957). Nestes romances, a escritora delineou as bases do Objetivismo, escola filosófica baseada na crença de que o capitalismo de livre mercado é o único sistema sócio-econômico capaz de permitir a busca racional (e virtuosamente egoísta) pela felicidade humana. O uso da razão e a crença inabalável na capacidade do indivíduo empreendedor são traços marcantes dos mais icônicos personagens de sua obra. Após o sucesso mundial de "A Revolta de Atlas", Ayn Rand passou a se dedicar mais aos escritos de não-ficção, enfocando seus esforços intelectuais na difusão do Objetivismo” - Fabio Ostermann, um dos fundadores do MBL, é mestre em Ciências Sociais e presidente do Livres (RS)
5. Raymond Aron (1905-1983)
Se Marx dizia que a religião era o “ópio do povo”, o francês Raymond Aron argumentava que o próprio marxismo havia se tornado o “ópio dos intelectuais” – expressão que dá título à sua obra mais famosa, de 1955, publicada originalmente no Brasil como Mitos e Homens e relançada em 2016, após mais de trinta anos esgotada, com o título original.
O Ópio dos Intelectuais é uma crítica à difusão do pensamento marxista no Ocidente, e na insistência dos intelectuais em seguir almejando um sistema comunista quando as evidências de prosperidade apontavam em outra direção.
Aron argumentava que a União Soviética havia apenas substituído uma cultura despótica por outra — o czarismo pela alta burocracia estatal —, e que o marxismo havia simplesmente trocado o culto religioso por uma fé cega na caminhada histórica prevista por Marx, que deveria levar à Revolução Socialista. Para ele, o comunismo sacrificava as mais diferentes liberdades humanas e os valores cristãos que as garantiriam.
Principal obra:O Ópio dos Intelectuais (Editora Três Estrelas – R$ 79,90)
Sua análise do marxismo como o ópio dos intelectuais foi magistral e até hoje é atual e essencial para se compreender como o esquerdismo virou uma religião laica, uma seita ideológica existente para dar alento às almas românticas e utópicas” – Rodrigo Constantino, economista e colunista da Gazeta do Povo.
6. Barry Goldwater (1909-1998)
Seis vezes senador republicano pelo estado do Arizona, Barry Goldwater foi um dos mais influentes pensadores conservadores da década de 60. Sua obra The Conscience of a Conservative (A Consciência de um Conservador) é considerada a grande responsável por uma espécie de renascimento conservador nos EUA, permanecendo influente mesmo mais de meio século após sua publicação.
O livro discutia uma ampla gama de questões políticas e econômicas, abordando sindicatos, direitos civis, subsídios agrícolas, programas de bem-estar social e taxação, e advogando contra o coletivismo e o Estado grande.
Crítico do “New Deal” de Franklin Roosevelt, Goldwater chegou a concorrer à presidência dos EUA em 1964, mas acabou derrotado por Lyndon Johnson. No entanto, grande parte de suas ideias influenciaria, na década de 80, as políticas do governo Reagan.
Principal obra:The Conscience of a Conservative (publicado originalmente em 1960, sem edição brasileira).
A América seria outra se ele tivesse levado as eleições presidenciais em 1964. Uma muito melhor. Foi um liberal-conservador consistente, que ajudou no resgate desses valores, levando inclusive à vitória de Ronald Reagan depois” – Rodrigo Constantino, economista e colunista da Gazeta do Povo.
7. Richard Weaver (1910-1963)
Professor na Universidade de Chicago e um dos filósofos políticos mais influentes da metade do século XX, Richard Weaver alcançou grande notoriedade pela sua obra Ideas Have Consequences (As Ideias Têm Consequências), publicada originalmente em 1948.
Em seu texto, Weaver criticava o sistema de pensamento de sua época, enfatizando a tradição, os valores e defendendo a manutenção da propriedade privada — que considerava “o último direito metafísico” do indivíduo — como maneiras de salvar o Ocidente do declínio que julgava estar testemunhando. Sua obra inspirou os conservadores que vieram depois e serviu de base teórica para muitos trabalhos que criticariam os movimentos reformistas que ganhariam força, sobretudo, a partir dos anos 60.
Principal obra:As Ideias Têm Consequências (Editora É Realizações, R$ 49,90).
Seu livro As Ideias Têm Consequências é um importante alerta contra excessos materialistas da era moderna, apesar de eu não compactuar dessa espécie de saudosismo a um passado idealizado no campo” - – Rodrigo Constantino, economista e colunista da Gazeta do Povo.
8. Russell Kirk (1918-1994)
Em sua obra-prima de 1953, The Conservative Mind (A Mente Conservadora), Kirk traçou uma genealogia do pensamento conservador desde Edmund Burke, a quem considerava o pai-fundador da doutrina. Originalmente elaborado como uma tese de doutorado, a obra é considerada seminal para o pensamento conservador no pós-Segunda Guerra Mundial, e também ajudou a renovar o interesse na obra de Burke.
Para Kirk, o conservadorismo não podia ser resumido como uma ideologia: era um modo de vida e uma visão de mundo. Seu trabalho também faz uma análise das diferenças entre os conservadores e os libertários.
Principal obra: The Conservative Mind (publicado originalmente em 1953, sem edição brasileira).
“Um grande conservador burkeano, que teve um papel importantíssimo no movimento conservador americano, um peregrino em busca da beleza. Diante de um mundo cada vez mais barulhento e tolo, a reclusão e o esmero com a estética e a ética de Kirk se fazem necessários, como antídoto à sociedade do espetáculo” – Rodrigo Constantino, economista e colunista da Gazeta do Povo.
9. Thomas Sowell (1930-)
Membro sênior da Hoover Institution, na Universidade de Stanford, o economista negro Thomas Sowell é conhecido não apenas por suas análises de mercado, mas também pelos comentários em temas sobre raça, grupos étnicos e educação. Crítico de ações afirmativas, dizendo que levam a mais fracassos do que exemplos bem-sucedidos, Sowell defende uma mínima intervenção do Estado em temas como controle de armas e auxílio às minorias, entendendo que ele apenas aprofunda as dificuldades dessas comunidades. Também advoga em prol do livre-mercado e da extinção do Federal Reserve (o Banco Central americano), que considera incapaz de corrigir o rumo da economia do país e evitar crises.
Em A Conflict of Visions (Conflito de Visões), Sowell defende que os mesmos grupos se opõem sucessivamente nas mais variadas questões sociais, políticas e econômicas em função de suas “visões”, que podem oscilar entre a crença de que a natureza humana é essencialmente boa e uma solução ideal é sempre possível e entre o entendimento de que o homem sempre age em interesse próprio — e, portanto, não é possível esperar soluções ideais, sendo preciso apelar para meios-termos, tradição e leis.
Principal obra: Conflito de Visões (Editora É Realizações, R$ 69,90)
Um dos mais influentes autores liberais vivos. De infância pobre no bairro do Harlem, em Nova York, é reconhecido como um dos maiores intelectuais negros da atualidade, todavia, posiciona-se contra as políticas de cotas raciais e o Estado de Bem-Estar Social, como expôs em sua obra “Ação Afirmativa ao Redor do Mundo – Um estudo empírico sobre cotas e grupos preferenciais”. Além deste, se destacam em sua extensa obra os livros "Conflito de Visões" (1987), "Fatos e Falácias da Economia" (2007) e "Os Intelectuais e a Sociedade" (2010)” - Fabio Ostermann, um dos fundadores do MBL, é mestre em Ciências Sociais e presidente do Livres (RS).
10. Roger Scruton (1944-)
Aos 73 anos, o filósofo britânico Roger Scruton é, hoje, um dos grandes intelectuais dedicados a difundir as visões do conservadorismo tradicional. Seguidor dos preceitos de Edmund Burke, Scruton apropria-se das reflexões daquele sobre a Revolução Francesa para fazer uma crítica às visões socialistas, argumentando que a tentativa de organizar a sociedade de uma maneira totalizante (como os regimes marxistas buscaram) é impossível sem um inimigo real ou imaginário — só funcionando em tempos de crise e guerra, gerando a eterna necessidade da literatura socialista em estabelecer inimigos externos para manter a população coesa.
Para Scruton, a maneira de manter a sociedade unida é através das leis e da obediência — a verdadeira liberdade não estaria oposta a esta obediência: as duas seriam faces da mesma moeda. Seus trabalhos atuam como guias elaborados para defender o pensamento conservador em tempos de clamores por mudanças, oferecendo argumentos para conter investidas em prol de ideias reformistas desse sistema legal, como nas campanhas por eutanásia e aborto.
Principais obras: O que é Conservadorismo (Editora É Realizações, R$ 59,90) e Como ser um Conservador (Editora Record, R$ 49,90)
Para ele, é 'invulgar' ser um intelectual conservador, embora seja muito simples explicar essa posição: ser conservador é ter a consciência de que herdamos muitas coisas boas - ordem social, tradição jurídica, cultura, serviços públicos, etc. E que essas instituições foram construídas com muito sacrifício. Ora, como sabemos, é muito mais fácil destruir coisas do que criá-las. Logo, se gostamos dos direitos e serviços que usufruímos - o que não implica querer sempre aperfeiçoá-los - é natural querermos conservá-los. Ao contrário do que os chamados "esquerdistas" afirmam, são os conservadores os que dispõem de melhor memória e conhecimento histórico. Afinal, quando sabemos o que era viver sem as instituições que hoje dispomos é que aumenta nossa determinação em mantê-las” – Daniel Medeiros, Doutor em Educação Histórica pela UFPR.