Estamos vivendo o que esperamos seja o ápice da era da ofensa irrelevante, da sensibilidade extrema, da pieguice, da idiotice intelectualizada e da glamorização da chatice. Não é possível imaginar que possa ficar pior do que isso.
Qualquer fato, opinião, narrativa ou declaração que não se encaixe no pensamento da “intelligentsia”, vira motivo de polêmica, discórdia, debates e ofensa entre a população - seja no trabalho, na conversa de bar ou nas redes sociais. Dois episódios recentes relacionados à nossa política já bastante turbulenta são exemplos práticos dessa tortura.
A provável futura primeira-dama, Marcela Temer, foi apresentada por uma reportagem como uma mulher “bela, recatada e do lar”.[i] Ora, desculpem-me os chatos e as chatas, mas muitos homens sonham em casar com uma moça bela, recatada e do lar. Aquela que é equilibradamente vaidosa para cuidar de sua aparência, que tem uma personalidade discreta e gosta de estar perto de sua prole. Mas os chatos e as chatas não aceitam que uma mulher queira viver apenas para agradar o seu esposo e tomar conta dos filhos. “É um absurdo! Onde já se viu isso? Ela deveria estar trabalhando, estudando, se preocupando com coisas mais importantes do que a própria família!” (ironic mode on).
Veja bem. Aqui não estamos defendendo que a mulher deve ficar em casa. Alguns pensam que sim, outros que não. Há, ainda, os que entendem que esse é um ideal, e há aqueles que são indiferentes. Respeitamos a opinião de cada um. O ponto, no entanto, é que, se estamos em uma sociedade livre, e a pessoa tem condições e o desejo de viver assim, por que exigir algo diferente dela? Aliás, quem te deu esse direito de exigir algo dos outros? Ou quem quer saber tua opinião? Paradoxalmente, os chatos intrometidos são exatamente aqueles que mais dizem defender a democracia e o pluralismo.
E que tal os ofendidos com os discursos religiosos na votação do impeachment? É verdade que os senhores deputados, “vossas excelênciassss”, poderiam chegar ao microfone e dizer apenas “sim” ou “não” - e, de fato, soa deselegante e inoportuno um deputado usar a ocasião para homenagear o “apóstolo” Valdemiro Santiago. Contudo, nossa democracia é representativa, e esse é o retrato do Brasil. Os chatos não conseguem entender que alguns deputados são eleitos numa plataforma religiosa, e que seus eleitores esperam e exigem esse tipo de falatório na tribuna.
Eles gritam: “O estado é laico! O Estado é laico!”. Como se Estado laico fosse sinônimo de exclusão da religião dos debates acerca de assuntos de interesse público.[ii] Avisem os chatos que o Brasil foi construído sob a égide do catolicismo, e, consequentemente, nossa herança cultural é judaico-cristã. Isso foi ainda mais fortalecido com o crescimento evangélico das últimas décadas. Na prática, a laicidade brasileira se aproxima muito mais do modelo britânico de neutralidade-imparcialidade do que da neutralidade-exclusão do modelo [chato] socialista-francês. No Brasil, todos, inclusive parlamentares, têm o direito de se pronunciar de acordo com a base moral que forma suas convicções, sejam elas religiosas ou não religiosas. E expressá-las não significa impô-las. Porém, os chatos sentem suas posições ameaçadas e querem tirar o direito dos outros de falar e ouvir.
Sobre isso, é importante salientar que a própria exigência de tirar o discurso religioso do debate público já é por si só uma chamada religiosa, pois impõe uma visão de mundo específica sobre os outros, de que cada um deve deixar seus ensinamentos éticos na porta de casa antes de pisar em praça pública.[iii]
Não bastasse o tempo todo quererem fazer valer sobre os outros sua própria cosmovisão, nos dias de hoje os chatos têm à disposição um arma poderosa: o discurso do politicamente correto, cujo principal mandamento é usar e abusar do sufixo “fobia”[iv]. A república do politicamente correto é a república dos opinofóbicos. Não há saída, se se coloca uma opinião que lhes desagrada, logo saem acusando - “fóbico!, fóbico!”. E, então, perguntamos: será possível uma pessoa ter um gosto, expressar crenças e opiniões, ou defender um estilo de vida sem ser fóbico? Para os chatos, a resposta é não!
Para esses, o proprietário de carro é ciclofóbico, talvez tranporte-público-fóbico. A dona-de-casa é empregofóbica. O religioso é laicofóbico. O heterossexual é homofóbico. O patriota é xenofóbico. O roqueiro é pagodefóbico. O acadêmico de Letras é matematicofóbico. O gremista é coloradofóbico; o corintiano, palmerofóbico; o vascaíno, flamengofóbico; e o atleticano, cruzeirofóbico. Os exemplos são infinitos.
Fica, ainda, outra questão: as redes sociais teriam potencializado o poder dos chatos, ou apenas revelado a existência múltipla e multiplicadora desses seres que não suportam terem sua visão de mundo contrariada? Sabemos que os chatos sempre existiram. Eles sempre estiveram lá no seu trabalho, no seu condomínio, no seu clube, ou até mesmo na sua família, dentro de sua própria casa. Mas você sempre deu um jeito de isolá-los ou corrigi-los. Bastava um olhar repreensivo ou debochado para que eles caíssem na real. Mas a internet... ah, a internet nos tirou esse poder de lhes aplicar um “chá de se-fragol”.
As redes sociais deram voz aos chatos anônimos. Elas são muito mais do que apenas uma arma comum, são uma metralhadora disparando, literalmente, várias chatices por segundo. Cada chato tem o seu perfil, que a todo momento lhes provoca uma coceirinha nos dedos, perguntando: “o que você está pensando?”. Aí é claro, é lógico, que eles estão pensando chatices. Se não estão, a própria rede os alimenta daquilo que mais têm apetite. Assim, os chatos saem de seus ambientes particulares e ganham o mundo.
E estejam atentos. Eles não somente entraram na tua casa através de programas televisivos, portais de notícia e redes sociais. Estão também nas escolas e nas universidades educando os teus filhos e ensinando-os a serem chatos como eles
Por fim, é sempre importante saber o momento adequado de se defender, pois qualquer conversa ou repreensão pode se tornar combustível para mais chatice.
O óbvio precisa ser dito. Os chatos são realmente chatos.
[i] Disponível em http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/bela-recatada-e-do-lar, acesso em 22 de abril de 2016.
[ii] Até mesmo o esquerdista Barack Obama admite que não se deve encarcerar a religião no âmbito privado. Disse ele: “Os secularistas estão errados quando pedem que os cristãos deixem sua religião na porta antes de entrarem no âmbito social. Frederick Douglas, Abraham Lincon, William Jennings Bryan, Dorothy Day, Martin Luther King - na verdade, a maioria dos grandes reformadores na história americana - não só foram motivados pela fé, mas fizeram uso da linguagem religiosa para defender suas causas. Portanto, afirmar que homens e mulheres não devem injetar sua ‘moralidade pessoal’ nos debates políticos é absurdo. Por definição, nossa lei é uma codificação de moralidade, e muito desta está firmado na tradição judaico-cristã (tradução nossa). Disponível em http://www.nytimes.com/2006/06/28/us/politics/2006obamaspeech.html?pagewanted=all&_r=0.
Acesso em 22 de abril de 2016. Sugiro: faça uma pesquisa sobre alguns dos principais nomes citados no discurso do presidente norte-americano, e será fácil entender a importância dos ativistas religiosos com seu discurso de fé na luta pela liberdade e pela justiça.
[iii] Sobre isso, Timothy Keller, Best seller pelo New York Times, escreveu: “O que, então, é religião? É um grupo de crenças que explica a vida, quem nós somos, e as coisas mais importantes nas quais os seres humanos deveriam investir seu tempo. Por exemplo, algumas pessoas pensam que este mundo material é tudo que existe, que nós estamos aqui por acidente e que quando morremos nós simplesmente apodrecemos, e portanto a coisa mais importante é escolher fazer o que te faz feliz e não deixar que os outros imponham suas crenças sobre ti. Note que, ainda que isso não seja explicito, contém uma narrativa mestre, um conto sobre o significado de vida junto com a recomendação de como se viver baseado nessa narrativa das coisas”... “Ainda que muitos continuem a invocar a exclusão de visões religiosas da praça pública, um número crescente de pensadores, religiosos e seculares, estão admitindo que tal chamada é por si só religiosa” (tradução nossa).
KELLER, Timothy. The Reason for God – Belief in an Age of Skepticism. Kindle Edition. Penguin Group, New York, 2008, p. 23 e 13. (No Brasil, publicado com o título ‘Fé na Era do Ceticismo’, Ed. Vida Nova.
[iv] Leia também o meu artigo, sobre a Tirania do Politicamente Correto: http://www.vistadireita.com.br/blog/a-tirania-do-politicamente-correto/.