Por Lucas Berlanza, publicado no Instituto Liberal
O domingo, 22 de novembro, marca uma passagem de era na política argentina. Nossoshermanoslargaram à frente; a segunda nação em representatividade no esquema de membros plenos do Mercosul, abaixo do Brasil, chutou para escanteio o reinado kirchnerista e elegeu, pela primeira vez em um século, um candidato que não pertence nem ao governismo peronista do Partido Justicialista – mesclado, hoje, com o bolivarianismo continental -, nem aos chamados “radicais” sociais democratas. O felizardo é Maurício Macri, da aliança Cambiemos, do partido Propuesta Republicana.
A vitória se deu por três pontos percentuais, com votação maciça, havendo baixíssimos percentuais de votos brancos ou nulos. O sucesso de Macri, já antecipávamos, é um bálsamo para o continente e, em conseqüência, para os brasileiros. Além do século de domínio, na Argentina, de propostas políticas que apelam ao populismo e ao inchaço estatal como soluções, tendo por resultado os fracassos e a mediocridade que se acumulam, os derrotados desta eleição perfizeram um ciclo particular de 12 anos. Cristina Kirchner ainda tentou forçar mudanças na lei para continuar no poder, mas as instituições argentinas provaram, para nossa alegria, sua força. O povo deu a vitória, por fim, ao candidato que propunha a ruptura e que sustentava, originalmente, uma plataforma liberal.
O sucesso de Macri se explica por diversos fatores. Ex-presidente do clube de futebol argentino Boca Juniors, empresário, empreendedor de sucesso, Macri conseguiu aliar uma inserção bem-sucedida na cultura popular de seu país, afeiçoando-se ao imaginário do eleitorado, com uma bandeira de privatizações, modernização e liberação de mercado. Sua agenda aponta para o combate ao crime organizado e a orientação da diplomacia e da política externa para o mundo desenvolvido, desarticulando os laços – melhor seria dizer grilhões – do bolivarianismo regional ou da obsessão com os BRICS. Tudo pode ficar ainda melhor se ele cumprir algumas de suas promessas. Uma delas, especialmente, conforme comentário em sua rede social, é a de invocar a cláusula democrática para convencer os demais países-membros a banir a Venezuela do Mercosul.
Apesar da postura tão ousada, que desafia diretamente a elite política dominante na região, a primeira atitude que Macri sinaliza tomar é fazer uma visita a Dilma Rousseff no Brasil. Diante do que conhecemos, é certeza que os pontos que Macri deseja colocar à mesa divergem da orientação da “ortodoxia heterodoxa” do petismo e incomodarão suas pretensões. O governo brasileiro deverá desejar defender a perspectiva perdedora. No entanto, os impetiravos da realidade provavelmente o forçarão a fazer concessões, e o triunfo de Macri despertará entusiasmo e animação nas correntes oposicionistas dos países vizinhos. O impacto no grupelho do Foro de São Paulo tende a ser grande, e seus integrantes se verão obrigados a sair da zona de conforto e inércia, provocados e desafiados pelo corpo estranho às suas identidades atrasadas. Só temos o que comemorar.
Naturalmente, com as reservas de quem entende que as dificuldades da realidade exigem cautela e paciência. Macri terá de encarar uma herança adversa, como Aécio encararia caso vencesse em 2014 – com a diferença de que Aécio concorria pela legenda social democrata, e Macri, ao menos no discurso, tem um DNA liberal autêntico. Terá, também, uma oposição política aguerrida, desejosa de conservar os privilégios e recuperar o longevo domínio, além de ancorada em todo um legado de décadas de estatismo e peronismo. O legado é tão significativo que, como a libertária guatemalteca Glória Alvarez apontou em sua entrevista ao programa Roda Viva no Brasil, Macri inaugurou uma estátua de Perón, ditador populista teoricamente contrário à sua visão político-econômica, simbolicamente vinculado a tudo a que ele se opôs. Isso não faz dele menos liberal, embora não seja algo positivo; a meu ver, é uma concessão superficial aos ditames simbólicos e políticos da região, em que votos identificados com o peronismo precisariam ser conquistados, embora não pudessem ser os únicos.
Que o desafio é duro, naturalmente que é. Precisa, no entanto, ser enfrentado, e por bem que o será desde já. Nós outros, aqui, teremos que esperar mais – e esperar envergonhados. Nosso emérito “monarca” ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva empreendeu despudorada campanha a favor de Sciolli, o candidato continuísta, a alternativa de que Kirchner lançou mão para tentar continuar comandando o país. Fazer campanha tão escancarada em uma disputa de outro país, algo que só se verifica nessa formatação por estas bandas infelizes, é um desserviço gigantesco às relações internacionais. Agora, que a oposição triunfou, com que estatura moral nossos mandatários podem encarar o vitorioso Macri? A dinâmica dessas relações será algo muito interessante de acompanhar.
Por ora, felicitamos o povo argentino. Em verdade, o mundo livre felicita o povo argentino, o eleitorado que assumiu para si o protagonismo da mudança e aplicou um murro no bloco apodrecido de concreto erguido pelos tiranetes latinos. Agradecemos a eles o alento proporcionado, e desejamos nos inspirar em seu exemplo para defenestrar os inimigos da liberdade por cá, onde ainda ditam nossos tristes impasses e retardam nossos reluzentes destinos.
Como diz o seu hino:
“Y los libres del mundo responden: al gran pueblo argentino, salud!”
Retirado do Blog: http://rodrigoconstantino.com/artigos/a-lei-por-que-bastiat-foi-simplesmente-um-genio/