Neste texto de 2005, Josino Moraes expõe claramente uma de nossas grandes chagas nacionais, "a indústria do dano moral". Assim como há outras, como "a indústria da justiça do trabalho" já tratadas pelo mesmo autor em outro momento, nosso Judiciário parece compelido a fazer políticas sociais com a elasticidade de suas interpretações jurídicas sem que, com isso venha a considerar os diversos e nocivos efeitos colaterais, as chamadas externalidades negativas que acarreta.
Para quem não conhece, Josino Moraes é formado em Engenharia Civil pela Universidade Mackenzie, em 1964. Mais detalhes sobre sua história profissional aqui.
V.D.
A Indústria do Dano Moral (2005)
Por Josino Moraes
As leis no Brasil, assim como os tumores cancerígenos no corpo, demoram um determinado tempo para desenvolverem todo seu potencial destrutivo. Refiro-me à Constituição de 1988. Amigos, pequenos empresários, me informam sobre um novo inferno para as pequenas e médias empresas: os processos por dano moral.
A origem do novo tumor está no famigerado artigo 5º Inciso X:”São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Como já insisti anteriormente, no sexto capítulo da 1ª edição de meu livro, esse artigo 5º, princípio universal de Direito Moderno, não deveria fazer parte de nossa constituição. Trata-se de uma verdadeira aberração, levando-se em conta a cruel realidade do País .
Traduzindo o “juridiquês” para nós, pobres mortais, dentro do cipoal de leis existentes no País, o maior do mundo segundo minhas pesquisas até o presente, trata-se essencialmente do seguinte: Se sua empresa possui um veículo, ainda que seja uma simples carroça, e seu funcionário mata ou machuca um terceiro, o funcionário estará sujeito a um processo criminal e sua empresa a um processo civil, na chamada justiça comum, a justiça estadual. O funcionário, num dos casos que me foi relatado, um assassino insano, mas sem patrimônio para ser extorquido, pode matar até oito pessoas e continuará livre e saltitante. As autoridades apenas lhe retiram sua carteira de motorista. No entanto, você, empresário, responderá no exemplo citado, no limite superior, a oito processos por “dano moral”. Se uma das vitimas não possui certidão de nascimento providencia-se uma, post mortem.
Se você possui uma carreta, com chapa de Rondônia, e seu motorista falha, raspando o pára-choque na porta de um carro estacionado no acostamento da rodovia próxima a Assis, SP, ferindo levemente o braço do motorista, você estará sujeito a um processo envolvendo três tipos de indenizações: a) os gastos referentes aos primeiros socorros; b) uma indenização, em uma única parcela – e que parcela! – pelo dano moral – a feiúra do machucado no cotovelo, suponho, e c) uma indenização mensal, vitalícia, devido à impossibilidade do motorista exercer plenamente a sua profissão.
O processo correrá na cidade de São Paulo, no caso real aqui citado. O motorista será responsável pelo processo criminal e será ouvido, teoricamente, por carta precatória. Se você é o unico dono ou então um acionista de um grande shopping, como no caso do Eldorado, na cidade de São Paulo, e uma cliente alega ter sido seqüestrada em seu estacionamento e, posteriormente, estuprada por um maníaco, você estará sujeito a uma condenação por dano moral (O Estado, 14-12-05, C6). A reportagem ainda dizia: “O motivo da condenação foi o fato de o Eldorado ter escondido dos clientes a açao do maníaco. Para o juiz ‘ o silêncio revela mesquinhez’ do shopping....”
O dano é corporal, na maioria das vezes: trata-se de cadáveres ou lesionados. Porém, aqui há um processo de metamorfose jurídica de dano físico em dano moral. Quais os foros competentes? Eles poderiam estar em Belém do Pará, Santa Maria, no Rio Grande do Sul, Recife, Pernambuco, etc. Mas e o custo para defender-se em foros tão distantes? Nossos “ilustres” legisladores não pensaram nesse “detalhe”. Em primeiro lugar, sempre, o autor da ação, a “vitima”, no velho estilo fascista. Afinal, eles, os legisladores, vivem de impostos, e não sabem o quão duro é sobreviver hoje na empresa privada e pagar impostos. Como atinar, então, com esse “detalhe”?
O referido inciso abriu uma nova e vasta frente no mercado da justiça brasileira. Se seu funcionário sofreu um acidente de trabalho, antes de 2004, quando então a possível ação correria na justiça comum, e vivia às expensas do INSS, algum advogado, especializado neste segmento de mercado, poderia descobri-lo e gerar uma inesperada ação pelo chamado dano moral. Afinal, alguém sem uma mão ou braço, por exemplo, é facilmente identificado. A abordagem, em algum lugar publico, pelo advogado, torna-se bastante fácil.
A OAB dirá que isso é antiético. Citei 2004 porque, após a Emenda Constitucional nº 45, de dezembro de 2004, houve uma mudança a esse respeito. Depois de decisões contraditórias do Supremo Tribunal Federal em relação ao entendimento da referida emenda, a competência para dano moral proveniente de acidente de trabalho ficou com a justiça trabalhista. Afinal, seu mercado saturou-se em 1997 com aproximadamente quase 2 milhões de processos/ ano; logo, a nova medida veio para alentá-lo.
Em um dos casos que pesquisei, o acidentado procurou uma colega de trabalho para servir de testemunha. Sua certeza no ganho da causa era tamanha que foi até sua casa para oferecer-lhe uma parte do bolo. Ela se negou a ir à primeira audiência. Na segunda, ela foi judicialmente intimada a depor. O valor em questão era astronômico. Este pequeno empresário me relatou que nem vendendo todo seu patrimônio pessoal e de toda sua família seria suficiente para cobrir a conta. Por sorte desse homem, a tramóia foi desfeita durante a audiência.
Se seu caminhão atropela um sem-terra ou sem-teto em alguma rodovia, onde eles abundam, com absoluta certeza, você receberá rapidamente uma ação por dano moral. Cerca de 25% deles não possui sequer registro de nascimento, segundo o IBGE, mas isso não será problema, como já expliquei acima. Atualmente, existem os boletins de ocorrência e, na maioria dos casos, um bom informante nos distritos onde eles são registrados. Outra solução são os motoboys percorrendo os distritos policiais. Esses advogados são chamados, por alguns do ramo do Direito, como os papa-defuntos.
A OAB dirá que isso é antiético. Mas, afinal, quem é ela, cria primeira da ditadura varguista de 1930, diante da cruel realidade da vida econômica brasileira? Os valores indenizatórios para essas ações são astronômicos. A uma marcenaria, microempresa, é pedida uma indenização de R$ 3.500.000 (três milhões e meio de reais)! Só mesmo alguém muito mal informado – por sorte, eles são uma enormidade – para montar hoje uma nova empresa no País.
Graças aos editores do Correio Popular de Campinas, me foi possível, em 1999, praticamente após 70 anos do decreto nº 22.132, de 25 de novembro de 1932, que instituía, inspirado no fascismo italiano, as primeiras Juntas de Conciliação e Julgamento, levantar um debate substancial e único na historia do país sobre tão relevante questão para o desenvolvimento econômico nacional. Quem sabe agora, passados “apenas” 17 anos do desastre de 1988, me será permitido levantar essa outra questão correlata e de suma importância para o País.
Noticias de abril de 2006 trouxeram novidades escabrosas. O Estado, em sua edição de 01-04-06, B9, deu como manchete: Processo Pode Tirar Três Andares do Banco Real. Tratava-se de um cliente que alegava ter o nome incluído indevidamente no Serasa. Num pais onde a cultura da extorsão calou tão fundo, pode-se imaginar a evolução desses procedimentos. A outra manchete do mesmo jornal, edição de 06-04-06, B20, estampava: Empresas Tentam se Precaver de Processos por Assedio Moral. Aqui, surgiu uma nova categoria, o “assedio moral”. No corpo da noticia, vinha a explicação da novidade: “É cada vez mais freqüente nos tribunais casos de funcionários que processam empregadores por se sentirem humilhados ou serem submetidos a péssimas condições de trabalho por causa do comportamento opressor de um superior, o que é chamado de assedio moral.”
Perguntei a dois advogados amigos onde havia registro sobre isso nos códigos atuais e eles não souberam me responder. Um deles me disse que aparentemente sequer havia jurisprudência, parecia-lhe coisa dos tribunais. À primeira vista, parece-me um subproduto do dano moral ainda não sacramentado, ou seja, transformado em lei.Talvez..., a próxima constituição o faça!
Roberto Campos dizia que a burrice nacional não associa a relação causa efeito. Eu vou um pouco mais longe: ela não atina sequer com a idéia do link. Ou o país se pergunta por que, nos últimos 20 ou 25 anos, ele cresce como rabo-de-cavalo, para baixo, e exporta milhares de pessoas à procura de trabalho – até Dna Mariza, a Galega, e filhos já se encontram devidamente municiados com passaportes italianos – ou, então, isso me faz lembrar um poema de Göethe que diz mais ou menos assim:
Quem, em três milênios,
Não está apto a perceber
A vida na ignorância, nas trevas,
À mercê dos dias, do tempo